Por Roberto de Faria | Advogado especialista em Direito de Trânsito e Membro do IBDTRANSITO em 04 de Junho de 2025
A Mobilidade Urbana em Santos e a Proposta do “Metrô sobre Rodas”

1. Introdução

A mobilidade urbana em cidades brasileiras enfrenta desafios significativos, especialmente em municípios de médio porte como Santos (SP). A saturação viária, a sobreposição de itinerários e a ausência de uma malha racionalizada de ônibus urbanos resultam em superlotação, lentidão nos deslocamentos e evasão de usuários para meios individuais motorizados. Nesse contexto, propõe-se a reorganização do sistema de transporte coletivo sob a lógica de um “metrô sobre rodas”: uma rede de linhas estruturais e alimentadoras, articuladas por terminais de integração e conectadas a outros modais, como o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Este artigo examina os fundamentos jurídicos e urbanísticos dessa proposta, discutindo sua viabilidade como alternativa de política pública voltada à mobilidade sustentável.

2. O BRT como Modelo de Referência

O Bus Rapid Transit (BRT) é um sistema de transporte coletivo baseado em ônibus que opera em corredores exclusivos, oferecendo alta capacidade e eficiência comparável à de sistemas metroviários. Inspirado no modelo pioneiro de Curitiba, o BRT foi adotado em diversas cidades ao redor do mundo, destacando-se pelo custo reduzido de implementação e pela rapidez na implantação.

Um exemplo notável é o TransMilenio, em Bogotá, Colômbia, que atende cerca de 2,4 milhões de passageiros diariamente. O sistema utiliza ônibus articulados em corredores exclusivos, com estações de embarque rápidas e integração tarifária, funcionando de maneira semelhante a um metrô de superfície. A experiência de Bogotá demonstra que é possível alcançar eficiência e capacidade elevadas sem a necessidade de trilhos, tornando o BRT uma alternativa viável para cidades como Santos.

3. Um Modelo em Grade para o Transporte Coletivo

O modelo atual de transporte coletivo em Santos, caracterizado por linhas extensas e sobrepostas, resulta em ineficiências operacionais. A proposta sugere a adoção de um modelo em grade, inspirado nos sistemas metroviários, com a criação de linhas troncais que percorrem os principais eixos viários, complementadas por linhas alimentadoras que conectam os bairros aos eixos principais. Essa estrutura visa reduzir a redundância de trajetos, aumentar a previsibilidade dos tempos de viagem e tornar o transporte coletivo mais atrativo ao usuário. A implementação de terminais de integração estrategicamente localizados facilitará as baldeações rápidas e eficientes.

4. Integração com o VLT e Outros Modais

A integração intermodal é um dos pilares da proposta. Em Santos, o VLT já exerce papel estruturante na mobilidade regional, especialmente no eixo intermunicipal entre São Vicente e o centro da cidade. Com a ampliação prevista até o Valongo e a Ponta da Praia, torna-se essencial a articulação desse sistema com o novo modelo de ônibus proposto. A integração deve ocorrer tanto fisicamente — com terminais interligados — quanto em termos de tarifa, assegurando que o usuário não seja penalizado ao realizar baldeações. Essa diretriz é amparada pela Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012), que estabelece a interoperabilidade entre os modais e a prioridade ao transporte coletivo como princípios fundamentais.

5. Tarifa Zero para Moradores e Financiamento Público-Cidadão

Para tornar o sistema mais atrativo e reverter o esvaziamento do transporte coletivo, propõe-se que o município avance nos estudos para a implementação da tarifa zero aos moradores de Santos, mediante cadastro prévio. A experiência de outras cidades brasileiras demonstra que a gratuidade, quando bem estruturada, promove inclusão social, reduz congestionamentos e estimula o comércio local. A sustentabilidade financeira dessa política poderia ser viabilizada, entre outras alternativas, por meio da exploração publicitária dos ônibus — tanto em sua parte externa quanto interna. A prefeitura poderia celebrar contratos com empresas anunciantes, revertendo os recursos arrecadados para o fundo municipal de transporte ou para subsídios operacionais, conforme previsto na legislação nacional sobre concessões e serviços urbanos.

6. Vantagens Estruturais e Urbanísticas da Proposta

A adoção do modelo em grade, aliada à integração intermodal com o VLT e à possível implementação da tarifa zero, traz consigo uma série de benefícios estruturais e urbanísticos relevantes para a cidade de Santos. A reorganização do sistema de transporte coletivo permite a redução significativa do tempo médio de deslocamento, uma vez que os itinerários passam a ser mais objetivos, com menos paradas e trajetos mais diretos. Além disso, a frequência e a regularidade das linhas estruturantes aumentam, o que reduz o tempo de espera dos usuários nos pontos e terminais. Essa racionalização também contribui para uma cobertura territorial mais equitativa, alcançando com mais eficiência as áreas periféricas da cidade, que muitas vezes são negligenciadas pelos modelos atuais. Do ponto de vista ambiental, o estímulo ao uso do transporte coletivo em detrimento do transporte individual favorece a sustentabilidade urbana, ao mesmo tempo em que reduz a emissão de poluentes e o número de veículos nas ruas. Outro aspecto relevante é a dimensão social da proposta. A democratização do acesso ao transporte público, sobretudo com a perspectiva de gratuidade para moradores, fortalece o direito à cidade e amplia as possibilidades de acesso ao trabalho, à educação, aos serviços e ao lazer. Ao mesmo tempo, contribui para a requalificação dos espaços urbanos e para a valorização da mobilidade como elemento estruturante de uma cidade mais justa, conectada e funcional.

7. Enquadramento Jurídico

A proposta está amparada na legislação federal e nos princípios constitucionais que garantem o direito à cidade, ao transporte público eficiente e à mobilidade sustentável. Merecem destaque a Lei nº 12.587/2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana), que consagra a prioridade ao transporte coletivo, a integração entre os modais e o uso de subsídios para garantir o acesso universal; o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que vincula o planejamento urbano à função social da cidade e da propriedade, estabelecendo o transporte público como vetor de inclusão e ordenamento territorial; e a Constituição Federal de 1988, que assegura o direito ao transporte como direito social (art. 6º) e atribui aos municípios a competência para organizar e prestar os serviços públicos de interesse local (art. 30, V).

8. Considerações Finais

Mais do que uma alteração operacional, a proposta do “metrô sobre rodas” representa uma transformação estrutural da mobilidade urbana em Santos. Alinhada às melhores práticas internacionais e amparada pela legislação brasileira, a reorganização das linhas de ônibus com base em uma lógica de rede integrada tem potencial para reposicionar o transporte coletivo como protagonista da vida urbana. Contudo, seu êxito dependerá de vontade política, planejamento técnico rigoroso e participação cidadã efetiva. Dados concretos, metas claras e ações coordenadas são essenciais para concretizar essa mudança. O caminho para uma Santos mais conectada, inclusiva e sustentável passa por um novo olhar sobre o transporte público — não mais como solução secundária, mas como pilar de uma mobilidade urbana moderna e democrática.
 

Referências

Medeiros, V. (2025). “Ele não tem trilhos, mas funciona como metrô: o sistema de ônibus que se tornou modelo de referência no mundo por ser mais barato de construir e conseguir atender 2,4 milhões de pessoas por dia”. Click Petróleo e Gás. Disponível em: https://clickpetroleoegas.com.br/ele-nao-tem-trilhos-mas-funciona-como-metro-o-sistema-de-onibus-que-se-tornou-modelo-de-referencia-no-mundo-por-ser-mais-barato-de-construir-e-atende-24-milhoes-de-pessoas-por-dia-vml97/

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

BRASIL. Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm

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